Reflexões e divagações (auto-avaliação)

Fonte: Internet: o que vejo?

Quando estamos diante de uma nova situação de aprendizagem e do desafio de um fazer docente inovador diante das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação - TDICs, tendemos a invocar a experiência (leão) como se ela sozinha pudesse dar respostas às novas exigências ou mesmo nos colocamos na situação de indefesa (gatinho) quanto são postas em questão as formas habituais de ensinar e aprender.
Quanto a questão da experiência, esta por sua vez passa a ser associada a do tempo. No entanto, há algo mais que precisa ser discutido, pois precisamos ultrapassar essa forma de pensar, já que, conforme Larrosa[1] (2002, p. 22), “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece”.
É esta a relação que precisa está relacionada ao processo de implantação e implementação do ProUca nas escolas brasileiras: precisamos nos tocar quanto a importância, não apenas da tecnologia móvel, mas de práticas pedagógicas e gestoras condizentes com os desafios que nos acontecem. Segundo Larrosa (2002, p. 25),

[...] é incapaz de experiência aquele que se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se ex-põe. É incapaz de experiência aquele que nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre.

Para o autor, a importância não está nem na posição (nossa maneira de pormos), nem na “o-posição” (nossa maneira de opormos), nem na “imposição” (nossa maneira de impormos), nem na “proposição” (nossa maneira de propormos), mas na “exposição”, ou seja, na nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. É o que emerge com o ProUca há um ex-posição à vulnerabilidade e ao risco a tudo que sacralizamos como experiência.

Caravaggio - O Mito de Narciso

Nesse contexto, inquieta-me saber se estou encantada com os “anos de experiência” trabalhando com as TDICs nos laboratórios de informática e se o que me tocou e ainda me toca pode servir aos laptops educacionais. Se estou a admirar minha própria imagem, esquecida de alimento e de água que precisa brotar novos saberes e novas formas de fazer e ser.

Por ser algo que me toca e me possibilita o aprendizado do justo e da justeza das coisas e ainda navegar numa "pedagogia da esperança" promotora de novas formas de ensinar e aprender para além da tecnologia como ferramenta pedagógica: tecnologias como elementos estruturantes de um novo pensar e não somente como instrumento. Segundo Pretto (1996, p. 114), "...o uso como instrumentalidade esvazia esses recursos de suas características fundamentais, transformando-os apenas num animador da velha educação, que se desfaz velozmente uma vez que o encanto da novidade também deixa de existir.". Não mais a máquina que ensina (instrumento), nem somente a ferramenta que o aprendiz utiliza, mas também numa outra possibilidade.

Para ilustrar esse contexto, tomo de empréstimo o conto infantil de José Saramago escreveu “A flor mais grande do mundo”, que reúne um conjunto de signos e símbolos, direcionado à infância e ao sentimento de estar no mundo. Segundo o escritor, este se apresenta seco, individualista, marcado pela resignação, falta de sonhos e ideais, onde nada mais parece ser capaz de nascer e brotar.
O protagonista é uma criança de sete anos que decide sair e explorar o mundo próximo à sua morada. No caminho depara-se um jardim e lá encontra uma flor murcha, aparentemente sem vida. Ele decide cuidar da flor e, assim, dá início aos seus cuidados, a qual renasce, tornando-se a maior flor do mundo.
No conto, Saramago destaca o poder da infância com suas imagens ainda novas, com seus sentimentos ainda preservados que não se deixam contaminar pela secura do jardim (ou do mundo). No final do conto, este personagem narrador que se disse incapaz de escrever histórias para crianças nos inquieta com alguns questionamentos:
“E se as histórias para crianças fossem de leitura obrigatória para os adultos? Seríamos realmente capazes de aprender aquilo que há tanto tempo ensinamos?” 
Aproprio-me do segundo questionamento e refazendo-o ex-ponho o saber da experiência com os laboratórios de informática e indago:
  • A forma de ensinar com o laptop educacional poderá ser a mesma que trabalhamos nos laboratórios de informática? 
  • A chegada do laptop educacional na escola é um problema ou um desafio? 
  • Quais as possibilidades de se utilizar o laptop educacional com propósitos educativos? 
  • Como poderia ser utilizado o laptop educacional em sala de aula?

Assim, será preciso por em risco aquilo que foi edificado como experiência para trabalhar com os computadores móveis como uma exclamação narcisística do “fica, peço-te, fica”, sem perceber que há um mundo a explorar? Que há um jardim que precisa ser cuidado? 

Fonte: Internet: Flor de Narciso

A flor não precisa ser vista com poderes entorpecentes e que os “ecos” das experiências não podem repetir as situações e as ideias já conhecidas que impediram os avanços de novas formas de ensinar e aprender com as TDIC. Por onde podemos enveredar?  
As questões postas à reflexão faz valer a necessidade da produção de conhecimentos que possibilitem a formação de inteligências críticas. Formar um crítico, que não seja sarcástico ou intolerante, mas sim um justo, cuidadoso, dedicado, rigoroso ao lidar com o desvelamento dos fenômenos.  Conforme Macedo (2009), "o ser crítico é sempre aquele que aprendeu a duvidar e a suspeitar, a perguntar e a inferir, a conjecturar e a reconhecer, a questionar o que está posto como dado, a buscar soluções alternativas para problemas efetivos [...]". 
 Aqui novo objeto de desvelamento seria o ensinar e aprender com o laptop educacional de forma a produzir conhecimentos...




“No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade”. (GUIMARÃES ROSA, 1994, p. 864)

 AQUI A ESTÓRIA NÃO SE ACABA
 

[1] BONDÍA, Jorge Larrosa.